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terça-feira, 7 de outubro de 2014

UM CERTO SILENCIO


O que quero agora

Por Angeles Caso no jornal espanhol “La Vanguardia”
Ángeles Caso (Gijón, 16 de julho de 1959) é uma escritora espanhola. Estudou Geografia e História, mas trabalhou como jornalista (Panorama regional, Fundación Príncipe de Asturias, Instituto Feijoo de Estudios del siglo XVIII (Universidad de Oviedo), Televisión Española, Cadena SER, Radio Nacional de España

Será porque três de meus mais queridos amigos tem enfrentado inesperadamente neste Natal enfermidades gravíssimas. Ou porque, por sorte para mim, meu companheiro é um homem que não possui nada material mas tem o coração e a cabeça mais sadios que tenho conhecido e cada dia aprendo dele algo valioso. Ou tal vez porque, a estas alturas de minha existência, tenho vivido já as suficientes horas boas e horas ruins como para começar a colocar as coisas em seu lugar. Será, quiçá, porque algum bendito anjo da sabedoria tenha passado por aqui perto e tenha deixado chegar uma baforada de seu alento até mim. O caso é que tenho a sensação –ao menos a sensação– de que começo a entender um pouco de que vai esta chamada vida.
Quase nada do que acreditamos que é importante me parece.  Nem o sucesso, nem o poder, nem o dinheiro, além do imprescindível para viver com dignidade. Passo das coroas de louro e da bajulação suja. Igual que passo da lama da inveja, da maledicência e o juízo alheio. Aparto aos queijosos e mal-humorados, aos egoístas e ambiciosos que aspiram a repousar nos túmulos cheios de honras e contas bancarias, sobre as quais ninguém derramará uma só lágrima na que caiba uma partícula minúscula de pena verdadeira. Detesto os carros de luxo que sujam o mundo, os casacos de peles arrancadas dum corpo morno e palpitante, as joias fabricadas sobre as penalidades de homens escravos que padecem nas minas de esmeraldas e de ouro em troca dum pedaço de pão.
Rejeito o cinismo duma sociedade que só pensa em seu próprio bem-estar e se desentende do mal estar dos outros, a base do qual constrói seu esbanjamento. E aos malditos indiferentes que nunca se metem em confusão. Assinalo com o dedo aos hipócritas que depositam uma moeda nos cofres das igrejas mas não compartilham a mesa com um imigrante. Aos que te aplaudem quando eres rainha e te abandonam quando te saem pústulas. Aos que acreditam que só é importante ter e exibir em lugar de sentir, pensar e ser.
E agora, agora, neste momento de minha vida, não quero quase nada. Tão só a ternura de meu amor e a gloriosa companhia de meus amigos. Umas quantas gargalhadas e umas palavras de carinho antes de ir à cama. A lembrança doce de meus mortos. Um par de árvores ao outro lado dos cristais e um pedaço de céu ao que se assomem a luz e a noite. O melhor verso do mundo e a mais formosa das músicas. Pelo demais, poderia comer batatas cozidas e dormir no chão em quanto minha consciência esteja tranquila.
Também quero, isso sim, manter a liberdade e o espírito crítico pelos que pago com gosto todo o preço que tenha que pagar. Quero toda a serenidade para sobrelevar o dor e toda a alegria para disfrutar do bom. Um instante de beleza a diária. Sentir uma grande saudade pelos que tenham que se ir porque teve a fortuna de haver os tido a meu lado. Não dar nada por sabido . Seguir chorando cada vez que algo o mereça, porém não me queixar de nenhuma bobeira. Não me converter nunca, nunca, numa mulher amargurada, passe o que passe. E que o dia em que toque me esfumar, um punhadinho de pessoas pense que valeu a pena que eu passasse um tempo por aqui. Só quero isso. Quase nada. Ou tudo.


Ler más em espanhol: http://www.lavanguardia.com/magazine/20120119/54245109494/lo-que-quiero-ahora-angeles-caso.html#ixzz3FOCZSxI9


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