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sexta-feira, 8 de julho de 2011

HISTÓRIA DA CORRUPÇÃO



Às vezes é bom conhecer de onde viemos, para saber aonde vamos.
Não temos de que nos assombrar, a corrupção forma parte do sistema, não é um invento brasileiro, argentino, árabe ou italiano.
Leia com atenção:



“O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". A sentença pertence ao lorde Acton, e não deixa espaço para a dúvida: desde que existe o poder existe a corrupção. Fatalmente, estão ligados entre si. Esta peste, da que hoje tanto se fala, é quase tão velha como o homem; deve ter aparecido uns dias depois de que nossos primitivos avôs abandonaram o sistema de hordas para se constituir em tribos. A história parece dar a razão ao lorde Acton. O primeiro ato de corrupção documentado se remonta ao antigo Egito. Assim o registra um papiro datado na XX Dinastia, durante o reinado de Ramsés IX (1142-1123 a de C.). Nesse documento se detalham as vicissitudes pelas que atravessou Peser, funcionário do farão, por se haver atrevido a denunciar os negócios sujos de Pewero, outro funcionário de alto rango. Pewero se havia associado com os profanadores de túmulos e, fazendo não enxergar esses roubos, obtinha suculentos lucros. Ademais de ladrão, era astuto: em duas oportunidades pode anular as provas apresentadas por Peser e o submeteu às piores burlas públicas. Finalmente, pelo que da conta o papiro, o bem triunfou sobre o mal: Peser recuperou a honra perdida e Pewero foi duramente condenado.
Os sumérios também estavam preocupados por esse flagelo que se havia incrustado em suas instituições. Um dos hinos religiosos dedicado a Nanshe, deusa da cidade de Lagash, fala dos "homens imperfeitos"; diz que são "os que seguem o caminho do pecado e cometem arbitrariedades; os que violam as normas estabelecidas; os que violam os contratos; os que consideram favoravelmente os lugares de perdição; os que substituem com um peso leve um mais pesado; os que substituem com uma medida pequena uma maior..." Uma cabal radiografia de muitos funcionários corruptos que por estes dias governam em distintos pontos do planeta. Também Grécia, o berço da civilização ocidental, teve que suportar-los. Aristóteles em sua "Constituição dos atenienses" se refere a certo episodio que protagonizou Sólon, um dos sete sábios gregos. Dracón, seu antecessor, havia cometido alguns erros econômicos; com o propósito de corrigi-los, Solón decidiu abolir as dividas contraídas até esse momento. Alguns se informaram dessa medida antes que se pusera em prática e de imediato solicitaram empréstimos para comprar terras. Quem lhes deu a informação que permitiu se enriquecer perversamente? Sem dúvida, alguém que estava muito perto dos altos mandos da república. Não é casual que os gregos tenham acunhado a palavra "cleptocracia" (de "kieptes" = ladrão, e "cratos" = poder) para definir aqueles governos exercidos por delinqüentes.
Acaso seja Roma o melhor exemplo de como o poder absoluto degenera em corrupção. A pequena aldeia que fundara Rômulo nos 753 antes de Cristo se converteu três séculos mais tarde no maior centro de poder que teve a Terra. Por então seu grau de corrupção era tão grande que, segundo assinala Paul Veyne no "O Império Romano": "Não havia função pública que não fosse um roubo organizado mediante o qual os que exerciam o mando estafavam a seus subordinados e todos juntos exploravam aos administrados (...). Os soldados pagavam subornos a seus oficiais para quedar isentos de serviço, os titulares das funções públicas menores vendiam sua sucessão, os governadores provinciais exigiam rendas ilegais e não havia nenhum funcionário que não se deixara subornar para cumprir a menor exigência”. O próprio cargo de imperador chegou a se comprar por dinheiro, esse foi o ponto mais alto da corrupção; depois veria a inevitável decadência. Os mais elevados heróis da Roma Imperial - desde Escipión, "o africano" até o próprio Julio César- se viram complicados em atos corruptos. O general Escipión não hesitou em fazer queimar todas as provas que demonstravam que seu irmão Lucio havia cometido uma formidável estafa em prejuízo do estado romano; a conseqüência desta atitude, e outras de parecido teor, Escipión foi condenado a passar seus últimos dias no desterro; ignorado pelo povo que tanto o havia admirado. Também Julio César coletou exércitos de admiradores, a gente de bem elogiava seu talento nos campos de batalha; os corruptos, as reiteradas estafas que havia cometido contra o Império. Julio César não teve que suportar o exílio, foi assassinado nas portas do Fôrum. Durante a Idade Media se registraram mudanças fundamentais na ordem social e política. Pequenos reinos e senhorios sustituiram aos Estados fortes que os haviam precedido. Os vassalos se encomendavam ao poderoso da comarca e conseguiam proteção em troca de trabalho. Os direitos se restringiram ao mínimo e os abusos aumentaram ao máximo Felipe II, rei da França entre 1180 y 1223, que participou na III Cruzada junto a Ricardo Coração de Leão, impunha ferozes impostos a seus súbditos e lhes obrigava a fortes "doações". Estes ingressos não se destinavam a melhoras no reino, ia diretamente às arcas privadas de Felipe II, chamado o Augusto. Não precisamente pelos banqueiros judeus, que costumavam serem suas principais vítimas: os obrigava a que lhes outorgassem fortes empréstimos que jamais devolvia. Seu filho e sucessor no trono, Luis VIII, seguiu ao pé da letra a política do pai.

Entre tantos pequenos reinados, a Igreja Católica se transformou na única instituição capaz de cobrir o vazio provocado pelo fim dos grandes impérios. Em seu livro "A corrupção", Mariano Grondona detalha com estas palavras o papel do clero daqueles tempos: "No século XV, o processo de globalização da Igreja era sem dúvida mais grave. A política do Papado se reduzia aos interesses italianos, deixando de lado o universalismo católico:
as grandes famílias Italianas se disputavam a titularidade da Santa Sede; o clero participava da vida da corte e as atividades militares; os altos dignitários eclesiásticos ostentavam sem pudor suas riquezas..." As grandes famílias, com suas grandes fortunas, em muitas oportunidades lograram que algum de seus membros fosse ungido Papa. Os Borgia tiveram dois, Calisto III e Alejandro IV, e chegaram até o crime para conservar esse poder.
Tamanha corrupção foi repetidamente denunciada nos calorosos sermões pronunciados pelo dominicano italiano Girolamo Savonarola; pagou com sua vida semelhante protesto: foi enforcado e queimado na praça do Mercado, em Florência. Dezenove anos mais tarde, 31 de outubro de 1517, o padre Martín Lutero colocava nas portas da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha, suas célebres 95 "teses". Desse modo denunciava a corrupção que sofria o alto clero e dava começo a primeira grande cisma que ia sofrer a Igreja Católica. Esta crise de valores que estava suportando o mundo ocidental já havia sido vaticinada por Nicolas Maquiavelo, considerado com justiça o pai da ciência política moderna. Para Maquiavelo a corrupção inevitavelmente se produz quando o poder dos ricos se une ao poder dos governantes. Esta aliança, assegurava, destrói a república e converte à liberdade republicana "muma máscara de dominação."
Um século mais tarde Inglaterra parecia escapar desse destino fatal. A conseqüência da constituição de 1688 se instituía um parlamento forte que, em principio, ia neutralizar qualquer tentativa de suborno. Nada mais longe da verdade. O Primeiro Ministro era a sua vez Primeiro Lorde do Tesouro; resultava-lhe muito simples obter a maioria parlamentar: simplesmente, a comprava. Como se compravam esses votos? Duma maneira bastante parecida à atual: se outorgavam cargos administrativos, pensões, destinos militares e navais e "sinecuras": a versão britânica de nossos "ñoquis" contemporâneos. O tráfico de influências -um eufemismo da corrupção nas altas esferas- se manteve inalterável até 1901. Era uma prática tão comum que a classe alta inglesa a considerava como um direito legalmente adquirido. De todos os Estados Alemães só a Prússia podia se orgulhar de se manter incorrupta. Isto era graças às brilhantes administrações de Federico Guillermo (1657-1713) e Federico o Grande (1712-1786). Estes cristalinos governos cimentaram a unidade alemã que ia a materializar no século XIX. A honorabilidade produz a união da Alemanha; a corrupção cimentou a queda da monarquia francesa: em 1789 triunfou a revolução e se proclamou a ordem republicana na França. O que fundamentalmente preocupava aos novos dirigentes revolucionários era demonstrar sua absoluta honradez. Ao Maximiliano de Robespierre o chamavam o "Incorruptível". Era, junto ao de "Cidadão", o título que com mais orgulho expunha.
O século XIX foi o século do colonialismo. Os governos centrais não vacilaram em usufruir as riquezas das colônias que estava baixo seu domínio e se abocaram a corromper aos funcionários nativos com o único propósito de incrementar suas ganâncias. Tudo isto, ademais, se fazia levantando as bandeiras da ordem e o progresso. Foi uma receita invariavelmente repetida por ingleses, franceses, alemães, holandeses e italianos na Índia, Indochina e África. Quando a princípios do século XX estes países recuperaram sua independência, se liberaram de seus colonizadores, porém não da corrupção. Os tristes casos de Idi Amin, em Uganda, ou de Bokassa, no Império Centro-africano, são dois cristalinos exemplos. Infortunadamente, não são os únicos. Se pode dizer que a corrupção percorre o mundo; hoje se encontra em países tão insuspeitados como o Japão ou em sistemas tão democráticos como os de Inglaterra ou Norte América. Não há que desesperar, ao menos agora se tem consciência do dano que produz, se fala dela sem eufemismos e se a denuncia publicamente. Tratando se duma enfermidade que persiste faz séculos, estes pequenos gestos resultam passos alentadores; eficazes remédios que talvez pressagia uma possível cura.


SEPINO: O PRIMEIRO PEDÁGIO

No ano 168, pela rua principal de Sepino, uma próspera cidade do império romano, passava regularmente o gado estatal. Os magistrados locais exigiam um pago pelo uso dessa rua. Era uma norma ilegal, porém Roma ficava muito longe e a policia de Sepino cumpria ao pé da letra com a ordem dos juízes da cidade: se o gado não pagava pedágio, lhes confiscavam as cabras. Os ganhos se repartiam equitativamente entre os servidores da justiça e os servidores da ordem. Um claro ato de corrupção que foi advertido por Cosimo, funcionário da chancelaria imperial, e rapidamente denunciado aos juízes superiores. Estes procederam sem vacilação. Na porta da cidade se gravou uma ordem que não deixava dúvidas, dizia:
"Basseo Ruto e Macrinbio Vindice saúdam aos magistrados de Sepino. Temos recebido copia da carta escrita a nós por Cosimo, liberto inscrito à contadoria de Augusto. “Abstenham se de molestar aos condutores dos rebanhos de cabras com grande dano para o fisco, para que não seja necessário um novo reclamo sobre isto e nos fatos, se o caso se repetir, será castigado.”

Revista Conozca Mas. Agosto 1993


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