Translate

quinta-feira, 31 de março de 2011

FUKUSHIMA


A lição nuclear
Por Kenzaburo Oe


Por casualidade, no dia anterior ao terremoto escrevi um artigo que foi publicado uns poucos dias mais tarde, na edição matutina do Asahi Shimbun. O artigo era acerca dum pescador de minha geração que havia estado exposto à radiação em 1954, durante as provas da bomba de hidrogênio no atol de Bikini. Escutei pela primeira vez acerca dele quando tinha dezenove anos. Mais tarde ele dedicou sua vida a denunciar o mito da dissuasão nuclear e a arrogância de quem advogava por ela. Foi uma espécie de pressentimento sombrio o que me levou a evocar esse pescador em vésperas da catástrofe? Também havia lutado contra as plantas nucleares e o risco que representam. Durante muito tempo contemplei a idéia de observar a história recente do Japão através do prisma de três grupos de pessoas: os que morreram nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, os que foram expostos nas provas de Bikini e as vítimas de acidentes em centrais nucleares. Se considerarmos a história japonesa através destas historias, a tragédia é evidente. Hoje podemos confirmar que o risco dos reatores nucleares se há feito realidade. Como seja que termine este desastre-e com todo o respeito que sinto pelo esforço humano empregado para contê-lo– seu significado não é para nada ambíguo: a história japonesa há ingressado numa nova fase e uma vez mais devemos olhar as coisas através dos olhos das vítimas do poder nuclear, dos homens e mulheres que tem provado sua coragem com sofrimento. A lição aprendida do atual desastre dependerá de que quem o sobrevivam decidam não repetir seus erros.
Este desastre une, de forma dramática, dois fenômenos: a vulnerabilidade do Japão frente aos terremotos e o risco representado pela energia nuclear. O primeiro é uma realidade que este país tem tido que enfrentar desde o amanhecer dos tempos. O segundo, que muitos acreditam poderia ser mais catastrófico que o terremoto e o tsunami, são obra humana. Que aprendeu o Japão da tragédia de Hiroshima? Uma das grandes figuras do pensamento japonês contemporâneo, Shuichi Kato, que morreu em 2008, falando de bombas atômicas e reatores nucleares lembrou um parágrafo do “O livro da almofada”, escrito faz mil anos por uma mulher, Sei Shonagon, no que a autora evoca “algo que parece muito longe, porém de fato está muito perto”. O desastre nuclear parece uma hipótese distante, improvável; mas a possibilidade está, de qualquer modo, sempre entre nós. Os japoneses não deveriam pensar na energia nuclear em termos de produtividade industrial; não deveriam obter da tragédia de Hiroshima uma receita para o crescimento. Como os terremotos, tsunamis e outras calamidades naturais, a experiência de Hiroshima deveria se gravar na memória humana: e foi uma catástrofe muito mais dramática precisamente porque a fizeram os homens. Repetir o erro ao exibir, mediante a construção de reatores nucleares, a mesma falta de respeito pela vida é a pior das traições possíveis às vítimas de Hiroshima.
Eu tinha dez anos quando Japão foi derrotado. No ano seguinte foi proclamada a nova Constituição. Durante os anos seguintes me perguntei se o pacifismo escrito em nossa Constituição, que incluía a renuncia ao uso da força e, mais adiante, os Três Princípios Não Nucleares (não possuir, manufaturar nem introduzir no território japonês armas nucleares) era uma representação precisa dos ideais fundamentais do Japão de pós-guerra. E assim aconteceu: Japão há reconstituído progressivamente sua força militar e acordos segredos assinados nos anos ’60 permitiram aos Estados Unidos introduzir armas nucleares no arquipélago, deixando sem significado aqueles três princípios. Os ideais da humanidade de pós-guerra, embora, não tenha sido completamente esquecidos. Os mortos, que nos vigiam, nos obrigam a respeitar esses ideais, e sua memória nos prevê de minimizar a perniciosa natureza do arsenal nuclear em nome do realismo político. Somos opostos. Aí reside a ambigüidade do Japão contemporâneo: é uma nação pacifista refugiada baixo o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos. Um espera que o acidente na central de Fukushima permita aos japoneses se religar com as vítimas de Hiroshima e Nagasaki, reconhecer o perigo do poder nuclear, e por lhe um fim à ilusão da eficácia da dissuasão pela que advogam as potências nucleares.
Quando cheguei à idade que comumente se considera madura, escrevi uma novela chamada Dinos como sobreviver a nossa loucura. Agora, nos últimos anos de minha vida, estou escrevendo uma novela final. Se conseguir sobreviver à loucura atual, o livro que escrevo começará com a última linha do Inferno de Dante: “E depois saímos para ver uma vez mais as estrelas”.


Nenhum comentário:

LA RECOMENDACIÓN DIARIA:

  LA RECOMENDACIÓN DIARIA el maratón  y  la maratón ,   formas adecuadas   La palabra  maratón  puede emplearse tanto en masculino  ( el mar...